domingo, 28 de fevereiro de 2010

Uma vida inventada

Já faz mais de um mês, li em apenas uma semana “Uma vida inventada”, de Maitê Proença. Leitura gostosa me fez conhecer um pouco não a atriz famosa, mas a mulher de fibra que muitos desconhecem que ela seja. Mulher como qualquer outra, com marcas da vida, mas que não se esconde atrás delas. Sensível, forte, corajosa, terna, espirituosa, madura, centrada, superior...qualquer adjetivo é pouco para descrevê-la. Eis algumas passagens do livro:

Não sou certinha, não sou calma, não penso numa coisa só, o sangue me corre quente, sou da briga e quero brincar, dou risada alto, falo baixo, tenho explosões de alegria e fico muito, muito triste. Mas não me faço de coitadinha e não choro à toa ou por falta de coragem.


E, assim enganando-me, deixei de ser uma pessoa assustada e defendida, para aprender que não se morre de intensidade. Morre-se, ao contrário, pelo embrutecimento. Deve ser por isso que hoje a medida das coisas muitas vezes me escapa.

Neste mundo não há saída: há os que assistem, entediados, ao tempo passar da janela, e há os afoitos, que agarram a vida pelos colarinhos.
Carimbada de hematomas, reconheço, sou do segundo time.

A satisfação estava no percurso, e eu sempre soube que alcançar o topo da montanha para espiar o outro lado era apenas a motivação para seguir no caminho.

...às vezes não sei bem se aquilo que penso é o meu próprio pensamento e se o que desejo é meu querer ou de outro.

“A gente sempre escreve contra a morte”. A Louca da casa - Rosa Monteiro.

É duro ter que viver dia após dia consigo mesmo: o grande cansaço é de si próprio.

O fato é que as pessoas mentem descaradamente, e por motivos diversos inventam toda uma vida para si.

Minha mãe era uma hedonista que amava todas as coisas. Foi criada sem referências paternas, sem afeto de pai e mãe, num colégio interno onde seu charme inato cativava alunas e professores. Para ela as regras eram mais brandas. Quando saiu dali para o mundo, quis da vida tudo o que pudesse sorver. Amava a família, mas amava todo resto também. Não tendo aprendido abrir mão de nada, conciliava o inconciliável da única forma possível, mentindo. Minha mãe foi extremamente feliz até o dia de sua morte. Meu pai amargurou-se todos os dia de sua vida.

A gente só ama eternamente, ininterruptamente, os mortos.

O tempo escoa inclemente com sua batida ligeira, e há uma nova urgência no fazer das coisas. Não contemplo a serenidade esperada e, inquieta, me impaciento no remoer de ocasiões perdidas. Por que não tive mais filhos, por que não cultivei mais amigos, por que falei quando era hora de ouvir, por que não sosseguei com o parceiro amado, por que não bebi menos e percebi mais, por que hoje há tantos porquês onde antes havia apenas um dia após o outro?

...fui solta e intuitiva como minha mãe. Hoje percebo que vivi cada dia para dar vida a Margot. Viajei o mundo, conheci pessoas diversas, me enfronhei por outras culturas, amei e experimentei todos os prazeres, cantei, pulsei, senti, olhei e sorvi cada minuto com grande interesse. Olhando para trás entendo que fiz por minha mãe como imaginei que ela teria gostado de fazer – e sem ter que morrer por isso. Sigo assim por ela e por mim. Sigo subindo e descendo as montanhas para saber o que há atrás da paisagem. Haverá, possivelmente, outra montanha muito parecida com esta em que me encontro agora, mas, como tenho pregados na memória aqueles primeiros tempos em busca de alegrias essenciais, não acharei isso maçante: a satisfação está no percurso, e alcançar o topo para espiar o outro lado é só a motivação para seguir no caminho, para seguir no caminho, para seguir simplesmente no caminho.


Esta noite tive um pesadelo. A verdade se encontrava do outro lado de um vasto oceano, e eu não sabia nadar.

E em pouco tempo me vi surpresa com a capacidade das pessoas de reinventar a vida transfigurando-a para que fique mais suportável.

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